quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ainda no rescaldo... Saramago sobre a blogosfera

"Inventei uma expressão que acho bonita: escrever na infinita página. E é essa a sensação: ao mesmo tempo que se estão escrevendo nessa página as palavras que escrevo, outras, muitas, por toda a parte, estão a ser escritas."

Jornal de Letras, 5 de Novembro de 2008

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Hoje o futuro sofreu uma grande perda

A azáfama que é andar num transporte público...
Um ainda existente troleicarro...
Um toque... dois...

Eu soube assim.

Não nomearam, não clarificaram a situação.
Eu soube.

Não no céu (quem não tem religião não vai para lá)
Não aqui... ou aqui?
Talvez agora se arrependam os que em vida te vedaram a liberdade.
Agora toda a liberdade será tua... sua...
Agora de regresso à terra de onde sempre foste o mais verdadeiro.
Agora a cegueira pode acabar. Pena que só agora.

Agora correrão dedos ansioso pelas linhas escritas mais do que nunca.
Agora saltarão moedas dos bolsos para pagar a literatura como nunca.
Agora te verão melhor do que nunca. Pena que só agora.

Mas estás cá! No presente. O presente não te perdeu.
O futuro também não perderá pois estarás cá, sempre.
Perderá ainda assim o futuro, pelo que tinhas e não soltaste para o papel.
Mas estás cá! A tua eternidade está garantida!

Obrigado!
Aproveita agora a tua merecida liberdade!
Agora, que estás cá.

domingo, 13 de junho de 2010

Aniversário de Pessoa

Neste dia, 13 de Junho de 2010, contam-se 122 anos passados desde o nascimento do Poeta dos Poetas. 
Tentando voltar a festejar o dia dos seus anos fica aqui o poema Aniversário (uma escolha óbvia mas inevitável), do meu Pessoa predilecto: Álvaro de Campos.

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Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu era feliz e ninguém estava morto. 
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,  
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. 




No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,  
De ser inteligente para entre a família, 
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. 
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. 
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. 

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo, 
O que fui de coração e parentesco. 
O que fui de serões de meia província, 
O que fui de amarem-me e eu ser menino, 
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... 
A que distância!... 
(Nem o acho... ) 
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos! 

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,  
Pondo grelado nas paredes... 
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), 
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,  
É terem morrido todos, 
É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio... 

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ... 
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! 
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, 
Por uma viagem metafísica e carnal, 
Com uma dualidade de eu para mim... 
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes! 

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... 
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, 
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado, 
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,  
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . . 
  
Pára, meu coração! 
Não penses!  Deixa o pensar na cabeça!  
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!   
Hoje já não faço anos. 
Duro. 
Somam-se-me dias. 
Serei velho quando o for.   

Mais nada. 
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ... 

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
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