quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Quando eu estiver triste não digas nada. Abraça-me.


Quando eu estiver triste não digas nada.
Abraça-me.

Nada dirás
Que já não tenha ouvido
De tantos outros
Nos filmes e nos livros
Da minha própria boca

Quando estou triste não suporto
O pensar apenas
Das palavras que já disse, pensei ou senti

Por isso se me vires triste nada digas, abraça-me só.

A tristeza enche-me de palavras
Que não consigo esquecer
Que recalco mas ressurgem
Que cansam.

Não me canses amigo quando triste me vires.
Dá-me um abraço.

E quando acordo no sufoco de um pesadelo,
De noite ou de dia,
Não há momento em que despreze mais as palavras,
Por isso envolve-me apenas nos teus braços.
Com força, para as ideias não se conseguirem mexer. 

domingo, 2 de setembro de 2012

Estrela-do-mar


Tão só…

Tímida e escondida
De sainha rodada
Bela e rosada
Mas tão só

E ao lado dela outras tantas
Dir-se-ia acompanhada
Corada e enamorada
Mas tão só

E no ritmo das ondas
No correr das marés
Vai dançando sem ter pés
Mas tão só

E se por acaso se aventura
Ou vive uma loucura
É mãe sem saber
E tão só
Dá vida sem conhecer
Por perder parte de si
E dança ainda assim
Mas tão só…

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Dança tribal


- Bom dia! Como estás?


Eles dançam lá fora… todos eles, homens, mulheres, crianças que nunca viu na vida mas que ama.
O ritmo faz os átomos vibrarem, os que constituem um corpo e a atmosfera que o envolve.
Junta a voz às outras vozes, à precursão e às cordas.
Lança-se pela janela de braços abertos recebendo o mundo e juntando-se à dança!

Pontas dos dedos de uma mão tocam gentilmente, suavemente, levemente os dedos de outra mão.
Não há nada. A mão esfuma-se, fica apenas a memória e um laço em torno do coração.

É imprecisa a recordação. A definição está tão próxima mas ao mesmo tempo é inalcançável. Por medo ou incapacidade. Mas é sabida, apenas não pode ser, ou não quer ser, expressa.
Este lugar é o certo, mas aquele também. Não estar em nenhum deles talvez seja melhor e mais cómodo. Correr para além deles é uma incógnita mas talvez o mais apetecido.

Esta música é feita de todos os sons e de tudo o que quer ouvir, mas falta o silêncio.
Calem-na! E nada fica, e o que quer vai.
Toquem-na e não a quer mais sentir.

Os olhos desta fotografia brilham e o sorriso e os gestos.
Mas uma bela fita de seda enlaça o coração da imagem.

Quer agora, quer dançar agora. Mas os pés descalços movem-se sós.
A música ouve-se mas a dança fugiu, vai ter de esperar que eles, os homens, as mulheres e as crianças que nunca viu voltem.
E amá-los-á a todos porque lhe vão desfazer o laço. Mas não agora.
Resta esperar e sorrir. Olhar o sol e ser feliz.
Ser quem ainda é mas não será e lamentar não poder ainda fazer do mundo uma tela e da dança um pincel. 

domingo, 17 de junho de 2012

Branco

Eu sabia que hoje tinha que escrever.
Durante a tarde, na hora de Domingo em que todos não fazem nada, abri a janela e deixei o sol entrar, fazendo brilhar a folha de papel branca e lisa sobre a minha secretária.
Olhei em redor... Música?
Chopin começou a tocar.
Sentei-me à secretária e escolhi uma caneta. A de tinta azul para um dia alegre. Uma caneta, o que escrever vai sair directo e à primeira. Hoje tenho os pensamentos claros e as ideias límpidas.
Encho um copo de água. Vidro sem cor, trespassado pela luz do Sol... Água clara e límpida.
Suspiro e olho a folha. O branco pulsa e enche-me os olhos, preenche-me a alma.
A folha cresce, estica-se alarga-se. Branca, cada vez mais branca.
Afundo-me nela enquanto ela me envolve.
Uma excitação miudinha que nasce algures no fundo do estômago desamarra-me o coração. O sangue corre  sem obstáculos fluído e rápido. Um formigueiro na ponta nos dedos, uma vontade nas pernas. Já não sou eu, sou um corpo livre, aos rodopios num campo branco e com todas as cores, sem formas e com todas as paisagens.
Olho para cima e é o céu que vejo de noite e de dia. E não há céu, é uma parede limpa à espera de ser preenchida.
Por mim passam todas as palavras e todas as metáforas... Um turbilhão de metáforas! De mágicas metáforas. E eu leio-as, mas estou de olhos fechados. E sei-as, mas estou a ver o sol... O nascer do sol, o sol no zénite. Estou deitada sobre a relva e sobre a areia e sobre um chão de alcatifa branca à espera de ser tingida.
Adormeço e sinto gotas de uma chuva tímida e fresca... Aguaceiros fortes!
Acordo com um sorriso nos lábios e um brilho nos olhos.
Vou buscar um pano, entornei o copo de água sobre a folha branca.
Hoje já não escrevo.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sofá


O que fazer
Quando o sofá usado
E moldado ao corpo de tanto uso
(Quente e casa
Lar e aconchego)
Não está aqui?
Está no ontem ou no amanhã
Talvez…

Não que este sofá seja mau…
Mas não é o meu,
O moldado pelo meu corpo,
E cujos moldes moldaram os meus gestos

O ponto exato do mundo
Que construí e me construiu
Em escala igual
Em reciprocidade absoluta
Em dádivas mútuas que se anulam

O pondo zero do mundo
Onde não me tenho de agrilhoar
Onde posso esquecer
O que é tabu
E ser sem nada à volta.
Sinto falta de ser sem nada à volta.
Todos devíamos ser mais vezes sem nada à volta!
E lançarmo-nos mais vezes sobre o nosso sofá
Num mergulho gritante e livre
A preencher as covas do uso do sofá.
E devíamos enroscar-nos no sofá
E de lá recusar sair
E adormecer com um sorriso parvo no rosto.
Um sorriso só de felicidade, sem mais nada.
E cairmos num sono sem sonhos,
Dormir. Só dormir!
Sem nada à volta e no nosso sofá. 

quinta-feira, 22 de março de 2012

Saudade


Falta um pouquinho em mim
Um pouquinho tão pequeno que nem
Rebuscando tudo lhe sei pintar a face
Mas as roldanas movem-se a esforço
E a labuta é feita sem vontade

Um pouquinho…
E sou menos o que fui
E todos são menos o que foram

Um pouquinho e o tempo voa
As voltas dos ponteiros acumulam-se
E cada nova volta é mais um rodopio
Somado a esta dança sem lamentos
E sem música

Nem tonta,
Nem aqui,
Sem sorriso,
Sem lágrima

O olhar voltado para luz que aí vem
Para as escassas alvoradas
Que permitem o rodar das roldanas

Vão rodando, rodando…
Movidas só pelas manhãs

Falta um pouquinho
Cuja face não sei pintar
E as roldanas já não cantam enquanto rodam…

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A raposa, feriados e férias

*
- O que é um ritual? - disse o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - É o que torna um dia diferente dos outros dias e uma hora diferente das outras horas. Por exemplo, os meus caçadores têm um ritual. À quinta-feira. vão dançar com as raparigas da aldeia. Por isso, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear às vinhas. Se os caçadores fossem dançar num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
                                                                            Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho

Ora, com o fim de quatro feriados, mais quatro dias ficam iguais aos outros e, somando 3 dias a estes quatro, a raposa também fica com muito menos tempo de férias.